quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Onde Nascem as Dores?

No dia 20 de Dezembro seria o lançamento do meu segundo livro, "Onde Nascem as Dores?", pela Editora Clube de Autores. Mas por alguns motivos alheios a minha vontade, isso não aconteceu como eu imaginava... Realmente não sei o que houve.

Para que ninguém seja prejudicado com isso, decidi adiantar algumas informações e uma previa de como eu acredito que será a capa. Espero que esteja agradando a todos.

Assim que me forem repassadas novas informações sobre o lançamento, postarei noticias. Também há muitas chances de que haja uma noite de autógrafos pouco dias depois do lançamento oficial, mas preciso decidir algumas coisas. Estou acertando os últimos detalhes.

Obrigado a todos que acompanharam insistentemente o trabalho, me apoiando ou me enchendo de inspiração. Até breve!


Segue um pequeno texto extraido do Livro "Onde nascem as Dores?"

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A guerra significa passar noites de frio interminável, tão intenso que parece penetrar até nos ossos. Significa ter as mãos e os pés cheios de bolhas e deixar de fazer a barba por dias, a ponto de você mesmo não se reconhecer no espelho. Significa ter o corpo coberto por crostas de sujeira e a roupa endurecida depois de dias sem ser lavada. A guerra significa passar dias e mais dias sem dormir, tendo um fuzil como melhor amigo.
Durante o dia, cavamos trincheiras no solo, nos arrastamos por entre espinheiros e lodaçais e escalamos montanhas rochosas. Em qualquer ação que executemos, sempre corremos o risco de ser atingidos por salvas de artilharia, de pisar em minas ou de ser alvejados por tiros de fuzil da infantaria inimiga. E quando os tiros não nos acertam, elas passam zunindo sobre nossas cabeças, nos enchendo de desespero e levando lentamente o que nos resta de esperança.
Os alemães são especialmente habilidosos em espalhar minas por todos os cantos e nós não somos tão bons assim para desarmá-las ou ao menos encontrá-las antes que elas nos explodam. Hoje sei que a guerra significa que um simples tropeção muitas vezes quer dizer que você acabou de perder as duas pernas. Que uma floresta não é apenas uma floresta e sim um amontoado de armadilhas habilmente escondidas, onde nenhum local é seguro.
Os leigos e os sabichões que nunca estiveram numa guerra costumam dizer que, quando em combate, as pessoas manifestam o que tem de pior em seus corações e que não há limites para a crueldade humana. Dizem que entre armas, as leis silenciam. Mas hoje eu sei que isso não passa de asneira. O que vemos e fazemos em tempos de guerra são extremos. Numa guerra, o ser humano é testado em todos os seus limites, sejam eles físicos, psicológicos, econômicos ou políticos. O que vemos como o máximo de desumanidade é na verdade a própria humanidade exposta ao seu extremo.
Pode parecer papo de intelectual ou de sociólogo que nunca sentiu o calor da batalha, mas não é. Acredito que todo humano está amplamente inclinado para o mal, assim como está para o bem. Todos nascem com esse anseio por construir e unir, que conflita gritantemente com uma vontade de destruir e desunir. Somos, na verdade, dotados de uma dualidade ímpar, que nunca será superada. Ninguém é completamente mau, assim como ninguém é completamente bom.
Também não era raro encontrarmos italianos desabrigados pelo caminho. Famílias inteiras, carregando malas de roupas e o que mais podiam. A grande maioria das famílias era composta por velhos e crianças. Alguns dos meus amigos costumavam dizer que só havia velhos e crianças na Itália. Mas a verdade é que os homens estavam no exército, seja dos fascistas ou dos nossos aliados partisans e as mulheres estavam trabalhando – como podiam – nas cidades, tentando conseguir algum dinheiro. Sobrava então para os avós a tarefa de cuidar dos filhos.
E para nós, o que restava era a pena por aquelas pessoas. Quando as tropas aliadas começaram a chegar à Itália, muitas prisões fascistas caíram e muitos prisioneiros foram libertos. O povo nos idolatrou por isso. Mas logo a situação se inverteu e aqueles mesmo libertos tornaram-se um obstáculo para os esforços de guerra. Uma horda de desabrigados infestava as ruas das cidades, as estradas e os acampamentos, implorando por comida, água, remédios e cigarros.
Não podíamos fazer nada. Não raro, ajudávamos com o que tínhamos de sobra. Eles já estavam tão acostumados quanto nós com as rações militares, que apenas para efeito de explicação, eram horríveis! Alguns se contentavam com cigarros ou com agasalhos para as crianças. Chegamos a encontrar muitas mulheres que vendiam seus corpos em troca do que tivéssemos a oferecer. Outras tentavam vender a pureza das filhas. Em algumas dessas garotas, sequer haviam crescido os seios ou algo do tipo. Mais decadente do que aquele povo eram os soldados que se aproveitavam daquela decadência.

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